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A DOCE LEVEZA DE VIVER BEM

Simbiose e individuação

A princípio, o bebê chora e costuma ser atendido nas suas necessidades  de alimentação, afeto, higiene, aquecimento etc. Nesta fase muito inicial, não distingue a si mesmo como uma entidade separada da mãe, pois vive uma verdadeira simbiose achando que tudo é uma coisa só. Até a acuidade visual do bebê nesta fase é diferente pois não tem a mesma nitidez.

Na medida em que vai crescendo, começa a ser frustrado pois pode passar a chorar e nem sempre será atendido ato contínuo. Terá que dividir a atenção da mãe com outros irmãos ou com afazeres do dia a dia. Por outro lado, também começa a perceber o próprio corpo, a brincar com o pezinho, colocar o dedo na boca, a sentir prazer com as funções excretórias, com a alimentação etc. Ao lado das constantes frustrações que começa a experimentar, também passa a querer  explorar o mundo a sua volta, o que pressupõe uma coragem crescente na medida em que este processo vai tomando corpo!

Para fazer isso em segurança, precisa, no entanto, sentir que tem uma base segura pois se algo der errado, terá o respaldo da mãe ou de quem quer que exerça a função da maternagem (independente do sexo biológico ou do vínculo consanguíneo). São aquelas situações em que a criança se afasta para dar vazão a sua curiosidade, para interagir com outras crianças e depois, diante de eventual ameaça, corre de volta e “agarra a mãe pelas pernas”… quem já não viu ou viveu uma cena assim !?

A  mãe “suficientemente boa” no dizer do pediatra Winnicott encoraja a separação da criança e a sua exploração do mundo, mantendo-se a uma distância segura, sem frieza, ao mesmo tempo em que estimula a autonomia de seu filho. Esta atitude que ao mesmo tempo é de encorajamento e de continência emocional é crucial para o processo de ruptura da simbiose e de formação da própria individualidade, bem como de um estilo de vínculo afetivo seguro  na medida em que a criança passa a criar uma representação interna dessa mãe, agora “introjetada” que pode não estar fisicamente presente o tempo todo mas que reaparece e a atende quando ela necessita.

Este processo de diferenciação, tão importante para a criação de um senso de “eu”, bem como para o amadurecimento emocional se desenvolve ao longo de toda a vida mas tem na infância e na adolescência, seus momentos mais cruciais na medida em que deixa consequências para o resto da vida.

Trata-se de uma dinâmica que é revisitada várias vezes. Como pontuava Melanie Klein sempre que nos deparamos com novas situações ou relacionamentos, revivemos o mesmo  estilo de vínculo que tivemos com as figuras parentais numa espécie de “compulsão à repetição”. Repetimos o que não foi elaborado mas agora com a esperança de um “desfecho” mais feliz.

Isto porque nem todo mundo consegue exercer a boa maternagem ou tem a felicidade de nascer numa família funcional no sentido de saudável. Vários são os percalços e dificuldades que podem atravessar ou mesmo impedir este processo de individuação, perpetuando um emaranhamento emocional, psicológico e cognitivo.

A pessoa passa assim a ter dificuldades em bordas e limites, não consegue dizer “não”, não tem uma clareza de quem ela é, o que é importante para si, quais são os valores que verdadeiramente são dela e quais aquelas vozes que foram simplesmente assimiladas e reproduzidas mas que não são verdadeiramente dela nem lhe fazem sentido… Ou seja, não fica claro aonde ela termina e o outro começa ou vice-versa. A confusão e a simbiose imperam !

Dentre as situações que podem atrapalhar ou mesmo comprometer este processo de amadurecimento, podemos citar aquelas “mães” que tratam a criança como mera extensão de si mesmas, que não estimulam a separação e individuação, que infantilizam seus filhos (ainda que de forma velada), ou fazem por eles algo que eles próprios já teriam condições de fazer, incutindo-lhes a noção de que não sabem ou que não seriam suficientes, que os tratam como meros “brinquedinhos” definitivamente contribuem para um grande estrago !

Isto sem falar daquelas relações baseadas num “amor” condicional, em que se veicula uma clara mensagem de que se o filho não obedecer ou não estiver a serviço dos pais ( o que é conhecido como “parentificação”), perderá o amor ou será abandonado e relegado a própria sorte, o que na infância, representa uma ameaça absoluta dada a condição de dependência da criança.

Várias são as situações de violação de limites ou de abuso emocional, psicológico, sexual e físico que podem ser comprometedoras do desenvolvimento saudável. A criança que cresce “invisível”, que não é vista nas suas necessidades, que é negligenciada, ou que sofre algum tipo de punição ou ameaça quando ousa  divergir ou ser quem se é,  tudo isso cria um caldo de cultura propício para o desenvolvimento de vários transtornos, ansiedade crônica, depressão etc.

A super valorização da criança sobretudo em situações não necessariamente ligadas ao seu mérito e a indulgência desmedida também integram esta “lista macabra”, podendo gerar sintomas como a “síndrome de impostor” além de um narcisismo patológico. Toda atitude que impede que a criança tome contato com a realidade do mundo e de si mesma, que desestimula que amadureça e desenvolva estratégias de enfrentamento e autoagenciamento ou que fomente o pensamento mágico são profundamente nocivas quer se tenha ou não esta consciência !