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A DOCE LEVEZA DE VIVER BEM

” Ser ou não ser, eis a questão”

Individuação: O direito de ser   

Créditos da imagem: ( https://pt.vecteezy.com/vetor-gratis/corpo-humano)

 

Nascemos como indivíduos a partir das relações que estabelecemos com o ambiente e com as pessoas, inicialmente no restrito círculo familiar e depois, este processo se amplia através da socialização, das experiências que vivemos e da influência que o meio exerce sobre nós numa via de mão dupla, já que também interferimos no ambiente.

A subjetividade pois, a meu ver não pode ser vista como uma entidade separada do resto ou das relações, tendo uma natureza sistêmica. Não é tampouco algo estanque pois tudo o que vivemos, bem como o significado que atribuímos às experiências vão moldando a nossa forma de ser e estar no mundo. Quando se pensa pois na personalidade, há um núcleo mais estável  que coexiste com aspectos sujeitos a mudanças e mesmo a reprogramações devido a neuroplasticidade.

Este processo ocorre principalmente na primeira infância e na adolescência e continua ao longo da vida.

Na infância, o que é fundamental, é a relação com a figura materna ou com cuidadores que desempenham a função da maternagem, ou seja, os cuidados e nutrição não apenas numa acepção física mas também e principalmente num sentido de acolhimento e continência emocional. Não há como negar a importância materna, que tem um papel  fundante na nossa constituição psíquica, como se apregoa amplamente na psicanálise.

A figura paterna também tem por certo a sua importância, porém em fases posteriores mais ligadas à socialização e ao aprendizado de papéis sociais, de gênero etc como apontam muitos estudiosos da área.

Esta individuação se dá num movimento pendular que ora é de identificação e aproximação daqueles que foram os “modelos”  da criança ora de afastamento e em alguns momentos até de negação destes referenciais.

Há, no entanto, vários fatores que podem interferir negativamente neste processo, dificultando ou até mesmo impedindo a individuação, ao mesmo tempo em que se cria uma fusão, uma espécie de emaranhamento com as figuras parentais, em detrimento de um self constelado  como dizia Jung. Neste caso, experimenta-se uma dificuldade enorme em discernir o que é verdadeiramente nosso e o que é do outro. Afastamo-nos daquilo que é a nossa essência ao introjetar vozes alheias, tomando-as como se fossem “nossas”.

Quando não se tem a “mãe suficientemente boa” como dizia Winnicott ,ou seja, quando a criança não é atendida nas suas necessidades nem vista como um ser apartado dessa mãe, que pode experimentar o mundo em segurança, sem o risco da perda do afeto e dos cuidados de que tanto necessita, não consegue avançar neste desenvolvimento psicológico e fica “presa” a fases mais primitivas que são acompanhadas igualmente de defesas psicológicas mais primárias e infantis.

A boa “mãe” é aquela que consegue “parir” uma criança para o mundo, sem instrumentalizá-la, sem “parentificá-la”, que consegue enxergar o filho como um ser diferente que não é uma simples extensão de si mesma, nem está ali apenas para servir aos seus caprichos, anseios ou necessidades. A criança “retida” no útero em termos psíquicos ali “apodrece”, acaba tendo que abrir mão “da vida de sua vida”, pode até “vingar” em termos biológicos mas certamente será uma “morta viva”, qual se fosse um zumbi. Permanece infantilizada, com um estilo de vínculo inseguro, desconfiando da própria capacidade de tomar decisões, de falar por si, de fazer escolhas mais antenadas consigo mesma e com a sua intuição.

A qualidade destes primeiros vínculos é fundamental e gera consequências para o resto da vida pois apesar da plasticidade cerebral e de termos  a possibilidade de “maternar” a  criança que habita em nós, em qualquer fase da vida, nem tudo pode ser “consertado”.

A primeira infância e a adolescência são “janelas de oportunidades” únicas e decisivas.

Ambientes tóxicos, abusivos e disfuncionais tem um impacto pervasivo e duradouro. Porém, algo que é importante de se dizer é que não são apenas aqueles ambientes flagrantemente abusivos ou de negligência em relação às necessidades da criança que geram  prejuízo.

Há várias condutas bem mais sutis, mas não por isso menos deletérias, que também podem e devem ser consideradas como abuso tais como, pais imaturos, mentalmente doentes, ausentes, indisponíveis emocionalmente, que também não se vêem…Tudo isso cria um caldo de cultura que é desfavorável ao desenvolvimento saudável.

A “mãe” engolfadora que como falei acima, trata o filho como mera extensão de si, que não o “enxerga” ou que o pune sempre que ele tenta se diferenciar ou quando manifesta uma opinião divergente, está criando não apenas uma opressão mas uma opressão que vai impactar na saúde emocional deste ser em formação. A criança precisa ser vista e reconhecida para que depois , na fase adulta, também possa se ver e se reconhecer.

Famílias em que o “afeto”  é negocial e está ligado a alguma barganha ainda que velada (como na maioria das vezes o é nestes casos) do tipo “faça o que eu estou ditando ou você perderá o afeto e será abandonado” contribuem também para vários problemas psicológicos pois a criança entende que o afeto deve ser comprado, que ela deve fazer coisas para merecê-lo como se a sua simples existência não fosse suficiente. Isso é altamente ameaçador pois na infância de fato a nossa dependência do adulto é enorme. Sem ele, não sobrevivemos. Desse modo, a pessoa se transforma numa “agradadora” compulsiva, põe as necessidades e vontades dos outros sempre antes das suas e desenvolve grande dificuldade em dizer não, em ser assertiva e autêntica.

Importante salientar que abusivos são não apenas aqueles ambientes que invalidam a criança ou que não a enxergam, nem a atendem em suas necessidades mas também aqueles em que ela nunca responde pelos seus erros já que os mesmos são sempre desculpados ou minimizados. Em geral, são ambientes em que a criança é supervalorizada não por algum mérito pessoal efetivo mas principalmente por alguma característica inata ou que não lhe demandou nenhum esforço como boa aparência ou o QI (quociente de inteligência). Isso é prejudicial porque no fundo, ela sabe que “não é tudo isso” e pode desenvolver grande insegurança, além da sensação de ser “impostora” e não merecedora de reconhecimento nos mais variados campos da vida.

E isto claro, sem contar aqueles abusos que ninguém duvida que são abusos como violência doméstica, abusos sexuais, chantagens, maus tratos etc.

A nossa responsabilidade como pais é muito grande e quanto mais trabalharmos na conscientização das pessoas e na expansão de nossa própria consciência, mais assertivos seremos seja na prevenção de prejuízos seja na correção de rumos, a luz do que se mostrar possível para cada um.