Uma das funções mais complexas que existe a meu ver, é a maternagem, entendida não apenas como um papel feminino mas como uma função que pode ser exercida por todos.
Isto porque muitas vezes, por inconsciência, distúrbios psicológicos ou físicos de diferentes etiologias ou simplesmente, por imaturidade, tendemos a repetir padrões familiares altamente disfuncionais sem sequer nos darmos conta disso. E o fato é que os primeiros 7 anos de vida são cruciais na formação da individualidade da criança e no legado que deixamos para a sua saúde mental e emocional.
No início da relação mãe bebê existe um estado de indiferenciação. O bebê é inicialmente o centro das atenções e mobiliza toda a família. É como se a mãe que o nutre e o atende nas suas necessidades fosse uma extensão de si. A fusão também ocorre da mãe em relação ao bebê, quer se trate de mãe biológica ou não. Ela tende a criar uma imagem idealizada da sua “cria” como se fosse o bebê mais “fofo” do mundo, o que é claro, é um facilitador para os cuidados exaustivos que se seguem.
Porém, parafraseando Donald Winnicott, a mãe suficientemente boa é aquela que “frustra a criança”, que permite que a criança se vá, que explore o mundo em segurança, sabendo que poderá recorrer a ela como uma “base afetiva segura” sempre que precisar.
Na medida em que esta frustração ocorre, a criança vai percebendo que ela não é o centro do universo, que é um ser apartado da mãe, que tem um contorno próprio. Vai assim, adquirindo um senso de realidade e de si mesma.
A função da boa mãe traz em si uma “contradição”. A mãe suficientemente boa vê a criança, a “empurra” para fora do “útero”, ao mesmo tempo em que a protege e acolhe mas não demais… Solta a criança, permite que se suje, que se contamine com a terra, que brinque com outras crianças e que volte, às vezes com os inevitáveis “arranhões”…
A mãe suficientemente boa não age como se seu bebê fosse uma posse ou uma extensão sua, um “brinquedinho” que estaria ali para atendê-la nas suas necessidades e caprichos. Não instrumentaliza a criança, não usa de chantagem emocional ou ameaças para constrangê-la a ser do jeito que ela, mãe, quer que seja. Nem tampouco “compra” o seu filho com mimos ou outras formas de agrado com o propósito de controle.
Permite que o seu filho tenha características próprias, que não necessariamente irão coincidir com as suas projeções, valores ou idealizações. Aceita e ama a criança na sua inteireza de forma sincera, compassiva não partir de um lugar de “poder” ou de disputa, mas sabe ser aquela presença segura, aquela voz encorajadora que diz: caminha filho, caminha mesmo tropeçando, que eu torço por você e estou aqui como sua retaguarda, caso precise!
É aquela mãe que não infantiliza nem estimula a dependência, no afã de disfarçar as suas próprias inseguranças… Nem tampouco faz o contrário, “parentificando” a criança ao colocá-la num papel precoce, uma espécie de “mãe da própria mãe”.
É aquela que oferece um amor incondicional, não vinculado a nenhuma “performance” ou barganha, o que não se confunde com “aceitar tudo” ou não ter a capacidade de educar e colocar limites.
Ao contrário, é aquela mãe que longe de ser perfeita, procura preparar o seu filho para os embates da vida, oferecendo-lhe o contato com a realidade por mais doloroso que seja.
É em suma aquela presença acolhedora, confiável e que ao mesmo tempo permite que a criança se diferencie, se singularize, que tenha bordas e limites claros, ainda que permeáveis em certos contextos… Enfim, permite que a criança encontre um “estado de maior potência de si mesma”, a potência do pensar, sentir, agir, enfim, a potência de SER como diria Baruch de Spinoza.
E assim, a própria criança passa a se enxergar a partir do reconhecimento e do olhar do outro !