O trauma não é um evento em si mas o modo como reagimos a determinadas circunstâncias. É como se o nosso sistema nervoso não tivesse conseguido processar adequadamente aquela experiência que não precisa necessariamente se traduzir num evento grandioso ou catastrófico como guerras, assaltos etc.
Há situações bem mais cotidianas que também podem eliciar uma resposta traumática e que pode se traduzir numa gama bem ampla de sintomas psicossomáticos devido a desregulação emocional que engendram.
O trauma nos deixa um saldo doloroso que é o “desamparo aprendido” pois impacta na visão que temos do mundo e das pessoas e de nós mesmos. O mundo passa a ser visto com desconfiança, como sendo um lugar perigoso e isto também cria um estilo inseguro de vinculação com as pessoas que irá resultar ora em comportamentos evitativos no intuito de passarmos longe de gatilhos emocionais que possam reforçar esta “ferida interna” ou então, nos relacionamos porém, carregando conosco uma dificuldade com relação a intimidade, a uma troca num nível mais profundo e integrado.
A ansiedade que acompanha o trauma via de regra, vem com uma carga grande de sentimentos como raiva, vergonha, culpa e pode produzir aquilo que chamamos de sintomas dissociativos. Ocorre uma fragmentação do eu que pode resultar em sintomas como amnésia, confusão mental, entorpecimento, desrealização, despersonalização… e isto sem falar das fobias, síndrome do pânico, doenças autoimunes etc.
O estrago é grande dada a nossa natureza complexa e biopsicossocial em que as diferentes esferas do soma/corpo, psiquê e do ser social que somos se interconectam e mais que isso: Interpenetram-se.
Na desrealização por exemplo, a pessoa sente um certo estranhamento como se tudo estivesse “esquisito”, fora do eixo ou como se ela própria estivesse assistindo a si mesma fora da própria pele.
Na despersonalização, devido a esse processo disruptivo interno, torna-se difícil discernir entre o que é verdadeiramente nosso, o que de fato reflete àquilo que nos é próprio e autêntico daquilo que apenas incorporamos a partir de influências externas. Nesta “introjeção”, passamos a tratar esses conteúdos alheios como se fossem “nossos” e aí replicamos muitas vezes sem a menor consciência de que aquilo sequer é nosso.
O assunto é bem complexo e acredito que as abordagens mais eficazes de tratamento pressupõem a ampliação do olhar para além da sintomatologia, visando uma integração dessas partes cindidas.